terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A lógica do F5

Renato A. O. Batata – 06006656


É comum, nos dias de hoje, encontrar em publicações de diferentes naturezas certa consagração do advento das novas tecnologias digitais, principalmente, do computador e suas conexões em rede. Muitas publicações observam que agora, mais do que nunca, o acesso à informação e, conseqüentemente, ao conhecimento está facilitado. De fato, a internet se mostrou um grande depositório de informações das mais diversas. Como relata Paulo Serra, em Informação e Sentido, a internet poderia (à primeira vista) realizar o ideal dos enciclopedistas. Afinal além do limite material imposto à mídia impressa, a internet eliminaria o tempo entre a produção da informação e sua disponibilização. Além de abarcar qualquer tipo de informação. Mas como saber o que se procura se não existe o conhecimento (prévio) sobre o que está se procurando? A internet se revela como um grande depositório, mas da maneira como está organizada (ou como se apresenta atualmente) possibilita que o acesso à informação “relevante” (aquela que existe para ser transmitida e preservada) seja alcançado por aqueles que possuem esse conhecimento. Como aponta Serra, apenas àqueles que possuem o mapa deste território informacional. A internet facilita, por outro lado, a padronização da informação. Diminui a fronteira entre a informação “relevante” e a informação “irrelevante” (aquela que existe para ser esquecida). É comum em qualquer curso que tenha como objeto de estudo a internet (e Multimeios se enquadra nesse caso), o discurso de que a informação precisa estar disponível, facilitada e imediatamente acessível ao internauta. Não só em termos de design e layout das páginas, como também na maneira ou estrutura que a informação deve ser transmitida. Basta visitar alguns portais de notícias famosos para notar como a técnica do “control + c - control + v” impera nas redes. É preciso informar o conhecimento. Definir estruturas que facilitem a compreensão do internauta perdido pelos hiperlinks.

É interessante que o ponto de partida de uma pesquisa na internet geralmente comece num site de busca. Através de palavras-chave. Perdido, sem o mapa do território virtual (e potencialmente infinito), o consumidor de informações agradece de bom gosto os primeiros resultados que o buscador lhe entrega. Satisfeito, vicia-se e passa a freqüentar, muitas vezes, os mesmos endereços. Como se fizesse uma trilha com pedaços de pão, para sempre que necessário poder retornar para o lugar desejado. Essa massa consumidora, de que fala Boris Groys, se fascina com as possibilidades do mundo digital. Telas brilhantes, interações das mais diversas, imagens em alta definição. Tudo se apresenta como um mundo de imagens fantásticas, sonhos irrealizáveis, “realidades aumentadas”. Boris Groys atenta para a capacidade que um filme como Matrix tem de despertar a auto-reflexão do cinema e, conseqüentemente, a reflexão sobre a própria realidade. “[...] esses filmes ratificam a suspeita de que todo o mundo possa ser artificial -e assim, em sua pretensão crítica, vão muito além de todas as teorias que querem pensar o mundo como real, como natural- até mesmo no sentido da técnica, entendida como segunda natureza” (GROYS, p. 12). Boris defende que certa linha de filmes hollywoodianos caminham nesta direção. Realizando uma dupla função, questionam a realidade da imagem e também a realidade do “real”. Matrix é um ótimo exemplo dessa categoria de filmes, mas o autor fornece poucos exemplos que desempenhem função semelhante no cenário dos filmes blockbusters.

Essa idéia de que tudo é artificial, inclusive as teorias que possam refletir sobre esses meios (o cinema, por exemplo), coincide com o pensamento de Mikhail Bakhtin sobre a linguagem. O teórico russo defende que da mesma maneira que existe o mundo material, compostos de objetos, instrumentos, materiais de consumo, etc; existe o universo dos signos. Os signos são, para Bakhtin, parte da realidade, refletem-na e são construídos ou estabelecidos coletivamente, em relações intersubjetivas. Além disso, os signos são ideológicos, correspondem à esfera ideológica onde são tratados, seja ela religiosa, estética, moral, etc. Só podem surgir em contextos sociais, em indivíduos organizados em sociedade e possuem natureza comunicacional. Para Bakhtin, a consciência individual só surge a partir da interação social e da impregnação, por parte da consciência, de conteúdo ideológico. Ou seja, a consciência é um denominador sócio-ideológico. E não o contrário. Se a consciência individual não deriva da natureza, não é natural, nasce da relação entre indivíduos organizados socialmente dotados de signos comunicacionais; então a consciência é artificial. É construída a partir de relações. Ao entender o caráter sócio-ideológico da consciência é que se pode analisá-la. O teórico russo ainda afirma que a palavra é a manifestação ideológica pura. E é parte fundamental da consciência, pois participa do processo de compreensão e interpretação, além de assumir forma discursiva. Como se a palavra fosse neutra e desvinculada de uma função ideológica específica. A palavra serve a qualquer função ideológica, e está presente em qualquer criação ideológica. Pois ela é fundamento da compreensão e do discurso interior.

A linguagem, uma convenção social, revela que desde suas estruturas de interpretação e compreensão e desde a própria consciência, o homem está cercado pela artificialidade. Isso sugere que não só os filmes hollywoodianos se revelam artificiais, como formula Boris Groys, mas a própria comunicação, a linguagem, a cultura e o meio social são construções artificiais. Suas fundações remontam aos primórdios do surgimento do homem. E hoje se revelam altamente complexas. Tão complexas que dificilmente revelam seu caráter artificial. A abordagem de Boris Groys sugere uma interpretação que não é feita pelo espectador do filme hollywoodiano. A massa de consumidores a que se refere Boris fica muito contente por saber que o mundo de Matrix não é o nosso mundo, e que mesmo se isso acontecer, teremos um Neo para nos salvar. Essa mesma massa de consumidores não sabe qual caminho trilhar nos infinitos links hipermidiáticos. Entorpecida pelo consumo fácil, pela informação “segura”, pela imagem de alta definição, essa massa agradece cordialmente as sugestões que recebe e continuará a ser um público cativo. Mesmo com as possibilidades que o hipertexto apresenta. Pois o importante é estar atualizado e para isso basta a apertar o F5.

Bibliografia

BAKHTIN, Mikhail – Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2002.

GROYS, Boris – Deuses Escravizados – a guinada metafísica de Hollywood. Folha de São Paulo – Caderno Mais. 03 de junho de 2001.

SERRA, Paulo – Informação e Sentido – notas para uma abordagem problemática do conceito de informação. Universidade da Beira Interior, 1999.

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