quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Senhor Consumidor

Paulo Rodrigo Sousa Grangeiro            06004203


Difícil pensar numa indústria de massa nos dias atuais, quando é aparente que a divisão de consumo parece feita para suprir a demanda de nichos. Mas se existe mesmo uma nova configuração dentro da política de mercado, há uma característica que tende a continuar intacta, ou, mais além, que parece ter se consolidado de vez como força absoluta: o consumidor. Seja na cultura de massa pensada por Benjamin, seja escondido entre os avatares da internet dos dias atuais, o que vemos é uma sociedade que desenvolveu novas perspectivas de consumo, alinhando suas estratégias de venda ao perfil desse novo consumidor, que precisa sentir-se “parte” de seu objeto de desejo. Mas como se dá esse processo?
Se até meados do século XX nós tínhamos no cinema, no rádio, na televisão e na imprensa os grandes meios de comunicação de massa, detentores e grandes filtros da informação (não confundir com conhecimento), o papel do consumidor poderia se confundir frequentemente com o de mero espectador, dada sua posição passiva no que diz respeito à recepção dessas informações. O consumo, dessa forma, garantia certa homogeneização (ainda que sempre houvesse aqueles exclusivamente direcionados para alguma classe social) no que diz respeito aos desejos dos consumidores. O que seria a época de ouro da Hollywood pós-guerra se não um grande cinema publicitário do American Way of Life?
O caso é que, nas últimas décadas, no estabelecimento da era informática e da cultura digital atual, passando pelos efeitos da web e dos meios com caráter híbridos e hipermidiáticos, não é mais possível pensar-se numa política única de mercado que atinja na mesma proporção a população como antes se fazia quando esta era efetivamente vista como uma massa consumista e com tendências uniformes. A mudança se dá na medida em que eu altero a percepção do consumidor como tal e permito a ele a possibilidade de se enxergar como algo a mais. Criador? Autor? Modelador? Seja a qualidade que for o caso é que o consumidor vive agora num sistema onde o default, o padrão, é ele próprio, o seu próprio gosto, o seu próprio desejo. Não estamos somente na era dos personal computers, mas na era dos filmes pessoais, da música, dos celulares, da programação (aqui não mais sustentada apenas no suporte televisão), dos sites, blogs, etc. Enfim, investindo em informações essenciais ou supérfluas de um perfil ou escondendo-se por trás de outro corpo virtual (avatar), o usuário vai se aproveitar da rede, das curtas distâncias propiciadas pela internet, utilizando o mínimo possível de mediadores como os antigos portais da década de 90, para realizar-se numa outra experiência de vivência, uma vivência virtual. De preferência, essa interação se dará a partir de minha própria página, do meu perfil (e o Google abre aqui novas perspectivas, uma vez que permite uma “conta”, um perfil que se liga a outros perfis de Orkut, twitter e afins. Seria esse um caminho cíclico, um retorno a homogeneização, ao filtro?).
Em seu texto A Guinada Metafísica de Hollywood, Boris Groys trabalha essa perspectiva do consumidor fazendo paralelos com o cinema de Hollywood, mas é exatamente na questão da autoria que seu texto chama atenção. Segundo ele, e pensando no que foi aqui descrito anteriormente, o que teríamos hoje seria uma verdadeira abominação a figura de um autor único, presença central de pensamento e elaboração da obra, uma vez que esse autor representaria uma dinâmica de trabalho que já não faria mais sentido. O exemplo é claro. Partindo das teorias de Hegel, posso pensar que temos o senhor e o escravo. A ambigüidade dessa relação está no fato de que o senhor necessita do escravo para manter-se em sua posição de status quo, pois é o trabalho do escravo que mantém a possibilidade de riqueza ao senhor e a realização de seus desejos. O que acontece é que o consumidor de hoje não se vê como um trabalhador, uma vez que ele almeja bens de consumo, desejos realizados, ele se vê como um consumidor-senhor, e como senhor eu não posso aceitar a presença de outra entidade detentora de determinado poder (o conhecimento do autor?) que não o meu.
A pergunta que fica aqui é o que acontece do outro lado da moeda, daquele de onde provêm todas as mercadorias de consumo? Se eu não vivo mais uma perspectiva massiva e industrial, como se dá minha relação com o consumidor? É possível pensar que, se as fórmulas do mercado se alteraram, as posições talvez não o tenham feito. Esse pensamento nasce na medida em que, por mais que eu entenda que esse pensamento de mercado se construa em cima de gerar possibilidades de “liberdade” ao consumidor, essa possibilidade é gerada a partir de algum lugar, os nichos são identificados a partir de algum lugar, e o mesmo acontece com toda a produção e distribuição, seja ela segmentada ou não. A questão não é pensarmos se ainda estamos todos a mercê de alguma(s) grande corporação, mas de que essa(s) corporação reconfigurou seu modo de trabalho na medida em surgiram no consumidor novas demandas, sejam elas causadas pelas transformações pelas quais passaram a sociedade, sejam pelos meios que alteraram nossa relação com o espaço ao redor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário