domingo, 28 de junho de 2009

A escrita no meio eletrônico

Bruna Said Marin – Multimeios

A literatura pode ser pensada como um conjunto de sonhos que se emaranham. A teoria do hipertexto pode ser considerada palimpseica.

Em O Dicionário de Kazar, a imagem da Pincesa de Kazar, que tenta decifrar as vozes desconhecidas que se apresentavam na carta do amante, lembra que a obra se trata de um palimpsesto onde traços da escrita coexistem.
No hipertexto, seu aspecto mais rico é o diálogo entre o passado e o presente tecnológico, entre a teoria e a prática literária.

Estando completamente inserido no conjunto das práticas culturais, o hipertexto processa, tritura e transforma experiências e tecnologias anteriores, criando a partir do velho um mundo rejuvenescido, para ser usado. A idéia de hipertexto relaciona conhecimentos interdisciplinares que vão do campo da semiótica, filosofia, ciência, tecnologia às teorias literárias. Sobretudo as que propõem o descentramento da leitura, a responsabilidade do leitor na construção da narrativa e a idéia de obra não como um produto acabado, mas como uma produtividade. A noção de hipertexto está
ainda em processo de construção e sedimentação.

O aparato hipertextual — o computador — ao qual o termo hipertexto foi vinculado — e um processo hipertextual de escrita e leitura que não se reduz ao aparelho tecnológico.

Desde sempre, o sumário, prólogo, dedicatória, subtítulos e linhas de apoio estão lá para nos ajudar a mapear topologicamente nossa leitura, levando nossa atenção para os cantos da página, como a margem, por exemplo, explicitando uma das principais características do hipertexto: o descentramento. Este descentramento faz o leitor “ziguezaguear” e se perguntar “para onde vou agora?”.

Capas e sumários de revistas e jornais funcionam de modo muito parecido aos menus das homepages, sem, é claro, as características do espaço eletrônico, como a velocidade e a leveza. Trazem consigo implícito o princípio de escolha de percurso que caracteriza a literatura hipertextual.

O emprego de linguagens e recursos múltiplos (poesia, prosa, fotografia, elementos das artes gráficas e propaganda), hoje viabilizada pelo meio eletrônico com uma sincronia antes impensável, estava presente nos projetos dos poetas concretistas brasileiros e modernistas. Sua propensão a ver a palavra mais como um ícone e um topos do que como uma unidade semântica, também se antecipa ao recurso hipertextual de usar as palavras como links.

Na tentativa de ordenar um diálogo entre o velho-novo e o novo-velho, o melhor é sonhar à moda kazar, ou seja, de trás para frente, fazendo um breve e muito parcial movimento de remeter-se à teoria que, obviamente, já começa pelo meio. Trazer à tona algumas proposições teóricas sobre texto permite observar como o novo procedimento emerge de um passado agora também “rejuvenescido” por esse olhar hipertextual. Situar o hipertexto na dinâmica da (re)construção entre prática e teoria, permite contextualizá-lo entre os processos culturais.

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