segunda-feira, 29 de junho de 2009

A ORALIDADE E A ESCRITA. O CORDEL COMO MEDIAÇÃO


A oralidade é relacionada a teatralização do corpo, a memória, a poética. Já à escrita é atribuída a argumentação.

Durante exposição de Urbano Nojosa em aula, defrontei-me com a a riqueza da cultura popular brasileira que permeia ou semeia a relação do oral com o escrito num país onde o letramento as vezes nos é tão distante e caro acredito que as manifestações populares tem muito a contribuir se lidas a luz do imbricamento e simbiose. Peço licença para esboçar aqui um breve texto sobre o tema com o intuito de aproximá-lo a aula.

Não podemos considerar a oralidade como antagônica a escrita ou vice-versa. Podemos sim, identificar um processo simbiótico na literatura de cordel onde, na maioria das vezes, o letrado e o não letrado vivenciam o folheto, ou seja, sujeitos estabelecidos em grupos articulados predominantemente pela cultura oral se relacionam com a escrita através desses folhetos de cordel.

Relacionamos a popularidade desse tipo de literatura pela maneira a qual é construída, com rimas que facilitam a sua memorização e se baseiam na oralidade, esses textos são normalmente recitados em voz alta, onde a teatralização do corpo, a performance do recitador, muitas vezes extrapola o próprio enredo da história e constrói um significado mor para essa literatura.

Esse mesmo recitador muitas vezes é um não letrado que conta com sua capacidade de memorização para o sucesso de sua interpretação acalorando os encontros regados a muita comida e bebida, ele é o mediador, a ligação direta entre o oral e escrito, o corpo e seus significados. Adaptando o cotidiano ao universo mágico da literatura.


A primeira instância de leitura/audição de folhetos era, de modo geral, o momento em que as pessoas iam à feira e ouviam o vendedor: leitura competente, declamada ou cantada em voz alta, interrompida no momento do clímax do enredo. Uma vez adquiridos ou tomados de empréstimo, os folhetos eram geralmente lidos em grupo, em reuniões que congregavam grande número de pessoas, na casa de vizinhos e familiares. Aqueles que possuíam um maior número e uma maior diversidade de títulos de folhetos em casa chamavam os parentes e amigos para, coletivamente, desfrutarem das leituras (MARIA DE OLIVEIRA GALVÃO; 2002)


Quando não se trata de um não letrado como recitador, os mais alfabetizados leem as histórias em voz alta para o público, trata-se então de um um mediador que ao mesmo tempo digere sua própria alfabetização, eclode em oralidade.

Uma das características inerentes ao cordel é a circularidade, a transição entre o oral e o escrito, o escrito e o oral, o popular e o erudito e o erudito em popular.

Não obstante a vivência da leitura de cordel no interior de cidades no nordeste no Brasil, evidenciamos o mesmo mecanismo de apropriação da escrita com os saraus que eclodem nas periferias paulistanas, como o da Brasa, Elo da Corrente, Sarau da Ademar, Cooperifa e Sarau do Binho, Todos encontros foram estabelecidos por características preponderantes no cordel e no hip-hop, a poesia que emerge e se relaciona de maneira profunda com a escrita, muitas vezes trazendo o letramento em seu balaio.

Daí surge uma problemática para o hipertexto. Seria ele, também capaz de mesclar a oralidade e a escrita?


Referência bibliográfica

MARIA DE OLIVEIRA GALVÃO, Ana. Oralidade, memória e a mediação do outro: práticas de letramento entre sujeitos com baixos níveis de escolarização – o caso do cordel (1930-1950). Educ. Soc. Campinas, vol. 23, n. 81, p. 115-142, dez. 2002.


Rogério Nascimento Oliveira - 06006657


2 comentários:

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  2. Uma das coisas que mais me encantam tanto na linguagem oral quanto na linguagem escrita (e esta é uma característica forte da língua portuguesa falada no Brasil) é o chamado "jogo de palavras". Corruptelas, trocas, rimas, aproximações, ironias, subversões da língua que geram ambiguidades, ruídos, chistes, sarcasmos e uma relação de identificação entre os falantes e leitores. Neste aspecto, os cordéis e o português falado no Nordeste é rico em exemplos e bom humor.

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